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Mediação de Conflitos - Experiências Vividas


Passei a mediar em 2016, quando fui admitida na equipe de mediadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos - CEJUSC do Fórum Regional de Santana, um dos Fóruns de grande importância em São Paulo, especialmente nas áreas cível e família e posteriormente nos CEJUSCs do Fórum da Vergueiro e do Sindicato dos Administradores de São Paulo - Saesp, outros dois espaços muito importantes da Capital de São Paulo, que também cuidam dos conflitos no âmbito das áreas citadas (cível e família).

Atualmente faço também mediações empresariais. Essas mediações empresariais, seja na área de varejo ou atacadista, são com muita frequência entre fornecedores vs. clientes e entre sócios, tendo ou não laços de família.

Ao buscarem a mediação, tanto nas relações pessoais, como nas empresariais, as pessoas envolvidas visam resolver o conflito que as atinge, porque não suportam mais as pressões psicológicas e/ou financeiras que começam a enfrentar, as quais causam discussões demoradas sobre as causas objetivas do conflito. Todavia, com a ajuda da mediação, as pessoas têm a possibilidade de revelar, umas para as outras, o que realmente desejam e sentem, os chamados interesses, e daí a forma de encarar o conflito se modifica, surgem inúmeras oportunidades e alternativas para resolver o conflito, atendendo bem a todos os envolvidos.

Conhecer os interesses reais leva, com muita frequência, a concluir os acordos, seja na própria mediação (que normalmente não dura mais que 2 sessões), mas também depois de encerrado o processo, quando os sentimentos se decantam e as pessoas refletem de uma maneira menos passional sobre o conflito.

Além de me possibilitar contribuir que as pessoas envolvidas superem o conflito, essas experiências vividas têm sido de grande relevância para a minha formação e crescimento profissional e pessoal.

Essa convicção levou-me a querer dividir algumas dessas experiências. Evidentemente, em obediência a um dos princípios basilares da Mediação que é o sigilo, o nome das pessoas e empresas, e demais detalhes que envolvem o conflito, serão ocultados, a fim de impedir a identificação de seus autores. 

Assim, relato abaixo o primeiro caso que gostaria de compartilhar, ocorrido na área familiar em que mediei juntamente com a mediadora, Iracema Efraim Sakamoto, profissional de grande competência. 

Trata-se de um conflito instalado numa família composta pelos pais idosos, e seus cinco filhos. Do lado (ou polo) ativo, um dos irmãos, que vou chamar de Pedro, e do polo passivo os seus 4 irmãos, todos filhos desse casal, que - apesar da idade avançada - mora sozinho e em casa própria. 

Pedro requereu a abertura de um expediente pré-processual no Judiciário, reclamando maior cuidado dos outros irmãos com os pais, e propondo que todos os filhos contribuíssem para a contratação de cuidadores, para atuarem durante 24 horas, diariamente, até a “passagem” dos pais. Essa atitude magoou muitos seus irmãos, e os próprios pais, por ele ter feito sem comunicar a ninguém.

Estimulamos que Pedro, o autor da ação, falasse primeiro. Ele explicou que havia buscado o setor de Mediação, contra os irmãos, já que eles não se dispunham a ouvi-lo sobre as suas preocupações e cuidados sobre a vida dos pais. Falou também que ele se aposentou recentemente, e tem dado maior atenção aos pais, indo todos os dias à casa deles, enquanto seus outros irmãos, embora todos dessem também atenção aos pais, tinham que se dedicar também aos seus respectivos trabalhos sem contar que um deles tinha “feito a vida” em outro Estado.

Pedro demonstrou sua preocupação com a idade avançada dos pais, oferecendo-se a se dedicar inteiramente a eles - já que os outros irmãos tinham menos tempo – sugerindo, inclusive, que poderia ajuda-los na administração financeira dos recursos de aposentadoria dos pais, já que eles tinham dificuldade de ir ao Banco, pagar as contas, sacar dinheiro, e disse ainda que poderia investir melhor o dinheiro mantido na poupança. Pedro também cogitou que - como iria dedicar-se inteiramente aos pais - deveria ter uma retribuição por isso, sem, contudo, especificar como gostaria de ser recompensado. 

Em seguida, através de perguntas que fizemos, cada irmão foi colocando o seu ponto de vista, todos admitindo alguma falta de tempo, mas mostrando que, à sua maneira, cada um ajudava os pais dentro de suas possibilidades. Falaram também que não estavam confortáveis nem com a forma como Pedro resolveu tratar do assunto no âmbito do Judiciário sem lhes falar, e também, com sua proposta. No decorrer da sessão foram revelados outros pontos nesses depoimentos, e o principal, dito por todos os filhos, foi que os pais não queriam assistência permanente de terceiros e tampouco dos filhos, refutando a contratação de uma cuidadora. Já tinham uma pessoa de confiança que vinha duas vezes por semana em casa para fazer o serviço pesado. Outro ponto que surgiu foi que um dos filhos já ajudava uma vez por semana a levar os pais para ao banco para retiradas e pagamento das contas. E um outro sugeriu que faltava a Pedro leveza e paciência para tratar com pessoas idosas, e ainda que, na verdade, ele não era um bom administrador, já que tinha perdido parte dos recursos que levantou na sua aposentadoria, investindo-os incorretamente.

O interessante é que todos tomaram consciência que, de fato, todos ajudavam aos pais, mas à sua maneira e no tempo que dispunham, mas ficou claro para todos que, por não ser uma ajuda planejada entre os irmãos, essas ações não potencializavam a ajuda aos pais. Por outro lado, embora sutilmente, os outros irmãos levantaram dúvidas nos reais interesses de Pedro e se recusaram - pelas razões antes citadas - que Pedro dedicasse seu tempo integralmente aos pais e administrasse seus recursos, e se recusaram também a contratar em tempo integral uma cuidadora. Apesar de ter sido uma sessão tensa e cheia de momentos onde a emoção aflorou, restou claro que a discussão e a exposição sincera das limitações e pensamentos de cada um dos irmãos os fez aproximarem-se mais, ter consciência de que poderiam planejar melhor o tempo dedicado aos pais, de maneira a proporcionar-lhes uma ajuda mais efetiva, porém preservando a privacidade dos pais, conforme por eles desejado.  

Esse momento de diálogo e exposição sincera dos sentimentos de cada um tornou possível aos irmãos entenderem-se melhor, baixar a pressão de todos face à ação judicial que Pedro havia ajuizado, evitar a presença tão constante – e de certa forma inconveniente – de Pedro na vida dos pais e, principalmente, para os pais que passarão a ser melhor cuidados, em decorrência de uma coordenação, da ajuda dos irmãos, de forma mais eficiente, mantendo a privacidade dos pais. Foi também acertado que todos os irmãos passariam a contribuir para contratar por mais um dia a pessoa que hoje já ajuda o casal e, ainda, conseguiram convencer que Pedro desistisse de continuar com a ação que tanto incomodava a eles e aos país.

Após o acordo, ao final da mediação, as mediadoras que atuaram saíram da sala com todos os seis irmãos conversando, e foi possível conhecer os pais, que esperavam impacientes pela conclusão dos trabalhos. Os próprios filhos relataram a eles o resultado da mediação, trazendo um visível alivio no semblante dos pais, ficando a certeza que a partir desse momento esses irmãos passarão a dialogar mais, para resolverem quaisquer outras as questões que envolvam os pais, evitando, assim, conflitos desnecessários.

Nós, mediadoras, ficamos felizes por termos contribuído para o desfecho frutífero deste caso, cujo trabalho foi norteado pelos princípios básicos da Mediação: o sigilo já citado acima, a imparcialidade do mediador, a isonomia entre as partes, a oralidade, a informalidade, a autonomia da vontade das partes, a busca do consenso e a boa-fé. 

Essa experiência mostra o quanto é rico e eficaz o processo da Mediação. 

Ivone H. Takahashi Saraiva

Sócia Diretora da Liver Consultoria e Participações e Sócia Diretora da Liber Coaching

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