Texto por Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme
CLÁUSULA ARBITRAL OU CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
A cláusula arbitral é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem [1] os litígios eventualmente derivados do contrato. [2] É, pois, cláusula [3] compromisso, necessariamente escrita, ainda que em forma de pacto adjecto, e dela não poderá a parte fugir em função da conhecida construção do nosso direito tradicional, traduzida no axioma: pacta sunt servanda [4](art.4°). Prevê ainda a lei que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato, de modo que mesmo ocorrendo nulidade ou outros vícios não implicam, necessariamente, em nulidade da cláusula compromissória (art. 8°). [5] A cláusula compromissória transfere algo para o futuro se houver pendência. [6] É o pacto adjeto em contratos internacionais, civis e mercantis, principalmente os de sociedade, ou em negócios unilaterais, em que se estabelece que na, eventualidade de uma possível e futura divergência entre os interessados na execução do negócio, estes deverão lançar mão do juízo arbitral. [7]
Portanto, pela cláusula compromissória, submetem ao julgamento do árbitro conflitos futuros, que podem nascer do cumprimento ou interpretação das relações jurídicas estabelecidas por contrato. [8]
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O Judiciário tem interpretado a cláusula arbitral como sendo uma simples promessa de constituir o juízo arbitral (RT763/210) [9]. O Supremo Tribunal Federal também segue o mesmo entendimento adotado pelo Tribunal paulista. (RT777/189) [10].
2. COMPROMISSO ARBITRAL
O compromisso arbitral é a segunda maneira de manifestar a convenção arbitral. A primeira vimos acima, a cláusula arbitral, a qual as partes submetem ao julgamento do árbitro conflitos futuros, já no caso do compromisso, as partes submetem ao julgamento do árbitro um conflito atual.
O compromisso arbitral é a convenção bilateral pela qual as partes renunciam à jurisdição estatal e se obrigam a se submeter à decisão se árbitros por elas indicados, [11] ou ainda o instrumento de que se valem os interessados para, de comum acordo, atribuírem a terceiro (denominado árbitro) a solução de pendências entre eles existentes. [12]
O compromisso arbitral é muito mais antigo do que a cláusula arbitral, haja visto que os romanos utilizavam o compromisso por ser uma forma mais justa. No direito romano o compromisso era utilizado na justiça privada, em que a execução do direito era feita sem a intervenção da autoridade pública, pois confiava-se a simples indivíduos a missão de solucionar controvérsias surgidas em torno de uma obrigação, caráter que se mantém em todas as legislações contemporâneas. [13]
O compromisso arbitral, conforme a Lei n°9.307/96, pode ser de duas espécies:
1.Judicial, referindo-se à controvérsia já ajuizada perante a justiça ordinária, celebrando-se, então, por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal por onde correr a demanda. Tal termo será assinado pelas próprias partes ou por mandatário com poderes especiais (CC, arts. 851 e 661,§2°; CPC, art. 38, com redação da Lei n°8.952/94; Lei n°9.307/96, art. 9°, §1°). Feito o compromisso, cessarão as funções do juiz togado, pois os árbitros decidirão [14]; e
2.Extrajudicial, se ainda não existir demanda ajuizada. Não havendo causa ajuizada, celebra-se á compromisso arbitral por escritura pública ou particular, assinada pelas partes e por duas testemunhas (CC. Art. 851; Lei n°9.307/96, art. 9°, §2°). [15]
3. DISTINÇÃO ENTRE COMPROMISSO ARBITRAL E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
A cláusula compromissória ou pactum de compromitendo é um pacto adjeto dotado de autonomia conforme dispõe os artigos 8° da Lei n° 9.307/96 e 853 do CC, relativamente aos contratos civil e comerciais. Nasce no momento inicial do negócio principal, como medida preventiva dos interessados, com a intenção de assegurar e garantir as partes de um eventual desentendimento futuro. [16]
É, um contrato preliminar e não impede que as partes pleiteiem seus direitos de efetuar o compromisso na justiça comum. (art. 6°, § único da Lei 9.307/96). [17]
Os arts. 854 e 855 do Código Civil admitem o uso dessa cláusula, em que as partes, prevendo divergências futuras, remetem sua solução a árbitros por elas indicados, que serão chamados para dirimir eventuais conflitos que surgirem. Já o compromisso é um contrato em que as partes se obrigam a remeter a controvérsia surgida entre elas no julgamento de árbitros. Pressupões, portanto, contrato perfeito e acabado, sem que as partes tenha previsto o modo pelo qual solucionarão as discórdia futuras. O compromisso é, portanto, específico para a solução de certa pendência, mediante árbitros regularmente escolhidos. [18]
Alguns autores mencionam que a principal diferença entre os dois institutos são que a cláusula diz respeito a litígio futuro e incerto e o compromisso a litígio atual e específico. [19]
Finalizando, parece-nos que a principal diferença está, também, na esfera contratual haja visto que a cláusula compromissória não é um contrato perfeito e acabado, e sim preliminar, futuro e incerto, ou ainda, uma medida preventiva, em que as partes simplesmente prometem efetuar um contrato de compromisso se surgir desentendimento a ser resolvido. Já o compromisso tem força vinculativa e faz com que as partes se comprometam a submeter certa pendência à decisão de árbitros regularmente louvados.
NOTAS
1. Podemos conceituar arbitragem como sendo a decisão pela qual uma terceira pessoa intervém, pondo fim a um litígio entre duas partes. Tal decisão terá caráter obrigatório, tendo os mesmos efeitos de uma decisão judicial.
A arbitragem surge para desafogar o Judiciário e ao mesmo tempo permite às partes a utilização de uma justiça alternativa, fugindo-se da demora no término dos conflitos instaurados na Justiça comum e dos milhares tipos de recursos e graus recursais existentes no nosso sistema.
O Saudoso Rui Barbosa já advertia que "a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade" (Barbosa, Rui, Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo, Edição da Revista de Língua Portuguesa, 1924, pg. 381).
2. "Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial" (Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3, 2002, Ed. Saraiva, pg. 31).
3. "Cláusula é artigo ou preceito que faz parte de um contrato ou de um instrumento público ou particular" (Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 1, 1999, Ed. Saraiva, pg. 598).
4. Por este princípio, "as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. O ato negocial, por ser uma norma jurídica, constituindo lei entre as partes o rescindam voluntariamente ou haja a escusa por caso fortuito ou força maior (CC, art. 393, parágrafo único), de tal sorte que não se poderá alterar o conteúdo, nem mesmo judicialmente" Op. cit. pg. 40.
5. Silva, José Anchieta, Arbitragem dos Contratos Comerciais no Brasil, 1997, Ed. Del Rey, pg. 21).
6. Santos, Marcelo O. F. Figueiredo, O comércio exterior e a arbitragem, Resenha Tributária, pg. 65.
7. Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 1, Op. cit. pg. 600
8. Rocha, José de Albuquerque, A lei e Arbitragem (Lei 9.307, de 23.9.1996) uma avaliação crítica, 1.998, Ed. Malheiros, pg. 60.
9. Ementa: "Arbitragem – Cláusula arbitral assumida em contrato anterior ao advento da Lei 9.307/96 – ato que representa a simples promessa de constituir o juízo arbitral, sem força de impedir que as partes pleiteiem seus direitos no Juízo comum – Inteligência do art. 5°, XXXV, da C.F." (Ap. 083.125-4/2 – 3ª Câm. – j. 1°. 12.1998 – rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani – TJSP)
10. Ementa: "Arbitragem – Juízo arbitral – Cláusula Compromissória – Opção convencionada pelas partes contratantes para dirimir possível litígio oriundo de inadimplemento contratual – Possibilidade de que o Contratante, caso sobrevenha litígio, recorra ao Poder Judiciário para compelir o inadimplemento ao cumprimento do avençado que atende o disposto no art. 5°, XXXV da C.F. – Juiz estatal que, ao ser acionado para compelir a parte recalcitrante a assinar o compromisso, não decidirá sem antes verificar se a demanda que se concretizou estava ou não abrangida pela renúncia declarada na cláusula compromissória – Interpretação dos artigos 4°, 6°, § único, e 7° da Lei 9.307/96." (Sentença Estrangeira Contestada 5.847-1 – Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte – Sessão Plenária – j.1°.12.1999 – rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 17.12.1999)
11. Fiúza, César, Teoria geral da arbitragem, 1995, Ed. Del Rey, pg. 90
12. Marcato, Antonio Carlos, Procedimentos Especiais, 1995, Ed. Malheiros, pg. 219
13. Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2002, Ed. Saraiva, pg.537
14. Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Op. cit. pg. 531
15. Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Op. cit. pg. 531
16. Vide Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol.3, op. cit. pg. 533
17. RT472/127; 434/150; 777/189; 763/210. Vide 1° Capítulo
18. Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3, op. cit. pg. 534 e RT112/530; 145/634
19. Vide César Fiúza, op. cit. pg. 109 e José Anchieta da Silva, op. cit. pg. 25
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